Desabafo
Desabafo
Deveria ser uma manhã como outra qualquer, numa quinta-feira onde até o presente momento imperava o silêncio mais que absoluto por parte daqueles que se fazem “donos da citricultura” brasileira, a maior do mundo. A tensão aumentava e era percebida em todos os cantos, em todos os gestos, no improviso dos movimentos de quem estava ali, como eu, sentado em uma cadeira, olhando atentamente o que ocorria naquele palco à nossa frente.
Lohbauer entra em cena, tentando esboçar perplexidade, alguma surpresa, mas nenhuma forma de consolo. Abre-se a palestra e já nos seus primeiros instantes sinto um frio na barriga, um arrepio na espinha, sinto meu semblante esmaecendo. Por exatos 30 minutos me senti como o Chapeuzinho Vermelho assistindo ao lobo travestido se dizendo inocente e inofensivo.
Confesso que me fez sentir pena por alguns instantes, mas algo ainda me perturbava. O cheiro que sentia quando Lobaher descrevia detalhes de uma desgraça sem culpados era o mesmo que alguns anos atrás senti quando presenciei uma onça atacando uma vaca, a qual não esboçou qualquer tipo de reação diante do seu futuro extremamente previsível e nefasto.
A cada instante sentia que estava inadvertidamente sendo atraído para as entranhas do Lobo, tal como a Vovozinha da chapeuzinho vermelho, se preparando para saborear o prato principal: O produtor.
Calei-me diante do que vi. Fiquei completamente estarrecido, sem palavras, sem ânimo para dizer algo além de “Meu Deus”.
Minutos antes, ainda na palestra da Dra Margarete Boteon, o cheiro de sangue já estava bastante intenso e deu-nos uma certa previsibilidade para o que estava por vir. Era o sinal da sentinela tentando avisar sobre o ataque iminente.
Sua palestra terminou e ouvi de diversos que estavam ao meu redor a seguinte indagação: “Mas, qual é a conclusão? Qual a previsão para esta safra? Não está faltando algo?”. Neste exato momento já havia percebido que “o gato havia subido no telhado”, como naquela velha piada sobre como noticiar a morte do bichano. Após alguns instantes, quando então consegui recobrar meus sentidos, disse em bom tom aos que estavam ao meu redor: ”Gente, o que ela poderia ter colocado como conclusão depois de tudo que ela apresentou? Existe uma palavra para resumir o que ela deveria colocar, mas acho que não ficaria muito boa para uma apresentação: “F...””.
Os que ouviram riram da própria desgraça e da colossal dose de realidade que estava embutida em todo o seu conceito nesta palavra chula.
A dor foi aumentando conforme o desenho do cenário foi aos poucos sendo completado por detalhes cada vez mais sórdidos. Vi na expressão de alguns algo semelhante a uma morte antecipada, um tiro de misericórdia. Pouco depois um último suspiro e a paz que ecoa após o enterro das esperanças.
Procurei então me apoiar na realidade a minha volta, na minha agenda de trabalho para que pudesse enfim atenuar o que sentia. Machucado e sangrando por todos os poros de meu corpo, senti que minhas previsões sobre o futuro da citricultura postado recentemente estavam se concretizando lentamente: o plantio em larga escala de pomares pela indústria, o arrendamento e contratação a longo prazo de pomares e o golpe final: uma crise sem precedentes com poder de empurrar produtores para fora do setor e tornar a verticalização definitiva por parte das indústrias uma questão até de sobrevivência no setor. Um final melancólico de um modelo de citricultura para muitos. Que Deus nos proteja.